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Palhaça de 88 anos estrela espetáculo solo inspirado em obra de Samuel Beckett


(Foto: Mariana Rocha)

O espetáculo “A Mulher Aquela”, que estreou no Cine Teatro Joia no começo de março, teve sua temporada prorrogada. A produção volta ao palco entre 11 de abril e 30 de maio, com apresentações às quintas-feiras, às 19h30m. A montagem é encenada pela palhaça Ruth Mezeck, que interpreta a clownesse Sassah Coco de La Merde, vulgo Palhaça Sassah, personagem inspirada em Winnie, protagonista de “Dias Felizes”, de Samuel Becket.


“Estudo muito Beckett e já comprei os direitos para montar ‘Dias Felizes’ em 2010”, lembra Ruch, citando que após sofrer duas quedas, teve que atrasar os ensaios e perdeu o prazo para encenar o espetáculo. A pesquisa, entretanto, foi aproveitada na produção atual, que vem sendo trabalhada desde 2015, quando Ruth fez uma oficina com a também palhaça Karla Concá, diretora da produção. “Começamos a estudar uma forma de conduzir esse espetáculo com a palhaçaria”.


A peça estreou em 2018 em um festival. No ano seguinte, foi apresentada em outro, em Portugal.“Lá, vi Lady MacBeth sendo feito por uma palhaça. Concluí que meu espetáculo era super moderno”. Entretanto, quando a primeira temporada sairia do papel nos teatros, veio a pandemia. “Fiquei três anos isolada, morta de medo, e só agora consegui fazer!”


Aos 88 anos, a artista enxerga sua arte como um manifesto contra o etarismo. “Estou ocupando um lugar, nessa idade, que as pessoas não se imaginam.”, analisa, mencionando o caso de uma idosa, mãe de uma pessoa de sua equipe, que havia parado de escrever por se julgar velha para isso. “A velhice não é homogênea, mas as pessoas enxergam todos como ‘envelheceu e já era’. Deveria haver curso preparando para essa etapa da vida porque ela e a morte são tabus. Ninguém fala sobre”.


Em relação ao espetáculo, afirma que a resposta do público é sua parte favorita da encenação. “O que mais gosto é quando as pessoas falam que riram muito, mas também refletiram”, aponta, mencionando surpreender a plateia proporcionando momentos nos quais a palhaça manda recados para Beckett. “Há discussões entre eles e ninguém espera isso”. Em “Dias Felizes”, a personagem principal se encontra enterrada até o pescoço, mas, ainda sim, continua vivendo normalmente, ao contrário do marido (que, em "A Mulher Aquela", é substituído por uma bengala), que não consegue lidar com a situação. A peça discute as possibilidades de ser feliz diante da senilidade e da fragilização do ser humano a partir dos efeitos do tempo.


Aposentada desde o governo Collor, a atriz comemora o fato de sua renda mensal permitir que seu trabalho seja levado aos palcos, sem patrocínios. “Trabalhei no Serviço Nacional de Teatro como assessora e também no Funarte. Recebo uma grana decente que dá para sobreviver e fazer arte sem esperar tirar dela o sustento”. A palhaçaria surgiu em sua vida após se formar como atriz quase como hobby. “Pensei que seria mais um curso, mais uma linguagem. Comecei em 1998 estudando clown com o Márcio Lima, que estudou na França com o mestre que estava difundido essa técnica de palhaço de palco. Eu ia fazer um espetáculo solo dirigido por ele, mas ele foi assassinado”, lembra, reconhecendo que ser palhaça lhe trouxe outra visão da vida e a perspectiva do quão fechado esse mercado ainda está para mulheres, apesar de ser uma arte milenar.

“No Brasil, isso começou com a Karla e o grupo As Marias das Graças (1992). Até então, não existia palhaça como profissional aqui. Até hoje isso gera estranhamento. Fui a uma consulta médica e na conversa, estávamos falando sobre profissão e ela disse: ‘Palhaça como? Isso existe? Você vai para o palco ou brinca como uma?’. A maioria desconhece que existem espetáculos com palhaços”, aponta a profissional, a palhaça em atividade com mais idade no país, com 25 anos de experiência nesse ramo. “A palhaçaria feminina usa outra linguagem e esse espaço ainda não foi conquistado. Uma amiga foi fazer um curso na Itália e quase não foi aceita por ser mulher”, finaliza.


Serviço: “Uma Mulher Aquela” | Local: Cine Teatro Joia (Av. N. Sª de Copacabana, 680 – galeria) | Temporada: até 30 de maio – apresentações às quintas-feiras, às 19h30m | Lotação: 80 lugares | Vendas: bilheteria e Sympla | Classificação indicativa: 12 anos | Informações: (21) 96930-5950 | Redes sociais: @palhacasassah25 e @ruthmezeck

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