Os possíveis impactos do programa Reviver Centro estão preocupando os moradores da Zona Sul, principalmente Copacabana. A medida visa a criação de novas moradias na região central da cidade. Como estímulo, as construtoras receberiam benefícios, como incentivos fiscais e flexibilizações legais, para erguer edificações nesta outra área, de maior valor financeiro. O assunto foi tema de uma reunião realizada por meio do aplicativo Zoom na noite do dia 28 de junho, onde especialistas em áreas diversas reuniram-se com a população.
O arquiteto Pablo Benetti apontou que esse modelo de negociação é conhecido como operação interligada, mas que caiu em desuso desde a regulamentação: “Entre 1993 e 2000, apenas 36 se concretrizaram. Agora, seriam 146 apenas em Copacabana, Ipanema e Leme. Esses bairros precisam de mais construções?”, questionou, continuando: “O plano diretor, quando bem feito, considera para onde a cidade deve crescer e para onde não deve”, palpitou.
Em seguida, o arquiteto Felipe Nin, assessor da vereadora Tainá de Paula, apontou que o mercado não demonstra interesse em aumentar a demanda residencial no Centro, mas sim na Zona Sul e na Barra, os grandes “filés” imobiliários. “Estamos numa pandemia e o Rio é a cidade com um dos maiores déficits habitacionais do estado. A Prefeitura não apresentou nenhuma medida relevante para a população de baixa renda. Essas pessoas poderiam morar no Centro, perto de onde há a maior oferta de emprego, mas o Poder Público quer a elitização daquela área”.
Dando continuidade, esclareceu que para estimular os investidores, o projeto aprovado pela Prefeitura oferece lotes nas áreas consideradas nobres, onde a atual legislação impede o aumento da verticalização. Em contrapartida, o empresário transformaria algum edifício comercial do Centro em residencial ou ergueria uma nova edificação naquela parte da cidade, com essa finalidade. Ainda assim, criticou o projeto, alegando que apesar de os números indicarem menos de 2% de aumento na densidade dos bairros impactados, tal estatística desconsidera a localização dos novos edifícios: “A conta não considera onde os prédios irão se concentrar. Na Av. N. Sª de Copacabana, seriam mais 40. Na Rua Barata Ribeiro, 27 e na Rua Santa Clara, 10”.
As críticas continuaram sendo feitas pela urbanista Rose Compans, assessora do vereador Lindbergh Farias. “Querem revitalizar aquela área e como brinde, descumprir a lei orgânica do município e construir em bairros já saturados sobretudo em transportes e saneamento. Em 1992, já se discutia o controle do adensamento da Zona Sul. Quem constroi na Barra lucra por escala. Lá, fazem grandes condomínios, mas o investimento é médio. Pelo valor geral de vendas, todas as construtoras querem a Zona Sul, onde há escassez de terrenos. Há vários projetos de tentativas de ocupar as encostas. Os postos de gasolina já sumiram e agora querem derrubar também os prédios baixos”.
Rose chamou de falacioso o discurso de que falta interesse do mercado imobiliário no Centro: “Há alguns anos, o condomínio Cores da Lapa esgotou mais de 700 unidades em pouco mais de 1 hora. Vários empreendimentos estão sendo construídos e tudo está sendo vendido. Nenhum desses investidores procurou estímulos”. A ausência de discussão com a população da Zona Sul também foi criticada, antes da menção aos números citados por Nin: “Falam que o aumento será de menos de 2%, mas qualquer profissional sabe que o adensamento tem que acompanhar a capacidade de suporte. Se botar um pouco de água em um balde cheio, ele transborda. Além dos 42 novos prédios, a Av. N. Sª de Copacabana vai receber também todo o tráfego dos demais dos outros logradouros afetados”.
Essa questão foi levantada pelo presidente da Sociedade Amigos de Copacabana (SAC), Horácio Magalhães, que também observou que que faltou clareza ao explicar as operações interligadas à população e defendeu o discurso levantado pelos assessores: “O percentual parece pequeno, mas 40 imóveis com potencial construtivo na Av. N. Sª de Copacabana não são pouca coisa”. Horácio lembrou que, no momento que antecedeu a Olimpíada, a Prefeitura precisava criar vagas hoteleiras e estimulou o segmento também por meio da flexibilização, o que resultou em 15 novos hoteis, além de hostels, muitos dos quais construídos sem estudo de impacto na região.
“Na Rua Tonelero, 202, há uma testada de 6m que virou hotel. Esse tipo de estabelecimento precisa de baia para o desembarque dos hóspedes, mas a Cet-Rio declarou, em um parecer, que aquele endereço não comporta nem veículo particular. A Rua General Barbosa Lima, que tem 1,5m de calçada, ganhou outro. Na Rua Francisco Otaviano, o acesso é por cima da ciclovia. Na Rua Barata Ribeiro, foram construídos três novos em um quarteirão onde já havia um. Agora o turismo está em baixa, mas no retorno, como vai ser quando os ônibus chegarem com os
Outro possível transtorno foi citado pelo engenheiro sanitarista Stelbert Soares: “Em Copacabana e Leme, há quatro línguas por causa dos inúmeros prédios com esgoto ligado na área de drenagem de água pluvial. Quando chove, vai tudo para a praia. Desde 1955, nenhum programa nessa área se concretizou. Nem mesmo o emissário submarino, que previa uma estação de tratamento de esgoto. Com a privatização da Cedae, quem vai fazer?”. Posteriormente, palpitou: “Na Zona Sul, (o saneamento) é ruim, mas na Zona Oeste, é péssimo. Não podemos defender o ruim porque o péssimo é pior. É necessário melhorar tudo”.
A presidente da Associação de Moradores e Amigos de Botafogo (AMAB), Regina Chiaradia, também estava presente e criticou a maneira como o projeto foi aprovado: “O Reviver Centro foi apresentado em fevereiro e as operações interligadas não faziam parte dele. Ninguém é contra o apoio ao Centro ou a transformação dos escritórios em moradias, até porque sabemos que a vida não vai voltar a ser como antes, mas ninguém é ingênuo de aceitar que essa contrapartida seja para beneficiar aquela região. Isso vai destruir a Zona Sul. Não é que não queremos vizinhos. Queremos infraestrutura e os bairros já estão saturados”, finalizou.
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