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"Copacabana 130 Anos": Réveillon


Tela: Festa de Iemanjá no Posto 6 (Artista: Suelly Kratzmann - Acervo Editora Posto Seis)

O réveillon de Copacabana é conhecido mundialmente, mas nem sempre foi festejado como nos dias atuais. Muitos não sabem, mas a origem dessa celebração vem dos terreiros de umbanda, que se reuniam na noite do dia 31 de dezembro para saudar Iemanjá. Na medida em que a beleza das comemorações passou a atrair curiosos, estes passaram a vestir branco em respeito aos médiums presentes. Para entender como tais eventos se transformaram no modelo atual, é necessário compreender o que ocorreu até chegar ao momento atual.


A umbanda foi criada em 1908, mas apenas na ditadura de Getúlio Vargas que ela foi legalizada, o que fez crescer o número de devotos. Em paralelo, a perseguição aos fieis também aumentou, principalmente porque o governo categorizava a religião na seção de Costumes e Diversões, no Departamento de Tóxicos e Mistificações. Cada terreiro precisava de autorização para funcionar, além de pagar uma taxa, o que facilitou cenários de extorsão, perseguição e intimidação. Isso afetava, diretamente, nos cultos a Iemanjá: para cultua-la, os praticantes daquela fé passaram a buscar praias remotas no litoral fluminense e até na cidade do Rio de Janeiro, como Sepetiba, que, em meados da década de 1950, contabilizou público de 15 mil pessoas na festa à Rainha do Mar.


Com o fim do Estado Novo e a retomada da democracia, aos poucos a Zona Sul carioca passou a servir de endereço para a celebração, uma vez que as pessoas se tornaram livres para o culto. De Ramos ao Leblon, além de Niterói, as multidões se reuniam para deixar oferendas – geralmente flores – e fazer pedido. A grandiosidade das comemorações fez com que a Igreja Católica reagisse, organizando procissões pela Zona Sul no mesmo horário do culto à deusa africana a fim de atrair os católicos. Nessa época, Copacabana já atraía fiéis, mas ainda sem grande notoriedade.


Entre 1959 e 1963, o número de curiosos assistindo às homenagens cresceu exponencialmente. A revista O Cruzeiro explicou o fenômeno da seguinte maneira: “E o carioca, que é um católico com superstições herdadas da cultura negra que veio para o Brasil nos porões dos navios de escravos, saiu dos bailes do ‘réveillon’ e das festinhas domésticas para render homenagens à Nossa Senhora dos negros”. Copacabana logo passou a ser apontada como um grande terreiro na noite de 31 de dezembro, com barracas montadas por Babalorixás desde cedo e com migração do público das festas particulares para a areia perto de meia noite, mas não era o endereço que concentrava o maior número deles: a Praia de Ramos era a mais procurada no começo da década e, nos anos finais, o Leblon.


As obras de aterro da Avenida Atlântica afastaram os fieis de Copacabana em 1970, mas quando a nova faixa de areia foi entregue à população, a grande extensão de areia modificou o perfil da festa. O novo tamanho da praia fez com que o bairro se tornasse o mais frequentado na noite do dia 31 de dezembro. Em paralelo, os fogos de artifício foram introduzidos na celebração, ainda que, no começo, fossem proibidos pela Secretaria de Segurança Pública. Os turistas, principalmente norte-americanos e argentinos, começaram a frequentar a noite nesse momento, também vestindo roupas brancas em respeito aos umbandistas – os adeptos do candomblé não costumavam venerar Iemanjá nessa data.


Ao longo dessa década, o cenário municipal modificou-se. A fusão da Guanabara fez com que os serviços públicos entrassem em colapso, uma vez que a economia do estado do Rio de Janeiro estava estagnada e a distribuição dos impostos da antiga divisão prejudicou o funcionamento da cidade. Em paralelo, o Governo Federal enfrentava graves problemas econômicos devido à crise do petróleo. Nesse cenário, o prefeito do Rio, Marcos Tamoyo, criou um programa de incentivo ao turismo, então explorado de forma quase que amadora, a fim de aumentar a arrecadação da cidade. Uma das medidas com a inserção do réveillon de Copacabana no calendário oficial da cidade a partir de 1975.


A municipalização da festa mudou, de vez, seu perfil A churrascaria Marius, no Leme, subiu o nível da queima de fogos. Em 1981, o hotel Lé Méridien se juntou à festa, transformando sua fachada em uma enorme cascata – outras, no Forte de Copacabana e no Morro do Leme, também enfeitaram a festa em vários momentos. A partir de 1993, foram introduzidos os shows para ajudar na dispersão do público; o primeiro artista a se apresentar foi Jorge Benjor. Na medida em que a celebração ficava cada vez mais popular mundo afora, passou a atrair uma imensidão de turistas. Assistir a queima de fogos de Copacabana passou a ser o sonho de muitos.


Apenas na virada de 2000 para 2001 que um acidente fatal promoveu uma grande mudança. A partir de então, os fogos deixaram de ser estourados na areia, sendo levados para balsas situadas a uma distância segura do público. Dessa forma, o espetáculo pirotécnico do Marius, que era uma tradição seguindo o oficial, da Prefeitura, chegou ao fim, assim como as cascatas. Para muitos, isso significava o fim do brilho do réveillon. Quem apostou nissso errou: a festa continuou crescendo, passou a contar com mais shows e atingiu o recorde de público na virada de 2019 para 2020, quando contabilizou quase 3 milhões de pessoas nas areias. A maioria vestindo branco, como faziam os antigos devotos de Iemanjá

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