Publicado na edição 340 (2ª quinzena de junho de 2012)
Quem passa pela Rua Sá Ferreira frequentemente repara a exótica casa que fica no número 80, perto da Rua Saint Roman. No espaço, funcionam duas bibliotecas da Prefeitura, a Max Feffer (infantil) e a Carlos Drummond de Andrade, cujos acervos podem ser lidos gratuitamente por toda a população.
Em funcionamento no endereço desde 2007, o local conta com mais de 20 mil títulos (adultos, infanto-juvenis e infantis), sendo que vários deles possuem mais de um exemplar. A biblioteca, no entanto, funciona desde 1950 e já teve várias outras sedes.
Atualmente, cerca de 80% do público tem mais de 60 anos. Os livros mais procurados por eles são os de romance policial, como os escritos por Nora Roberts e Sidney Sheldon. No entanto, o perfil dos visitantes varia. Muitos jovens aproveitam a tranquilidade da casa para estudar. Diferente de outras bibliotecas, lá eles podem entrar com seu próprio material (desde que mostrem na recepção). Há também quem vai todo dia somente para ler jornal (a biblioteca assina cinco periódicos diários) e as mães que incentivam seus filhos a ler e os levam diariamente ao local.
A casa recebe também muitas visitas de escolas, que participam de atividades como oficinas e teatrinhos. Os alunos também participam de atividades como oficinas de poesia. Durante os exercícios, as pessoas que vão ao local somente para estudar são avisadas para evitar reclamações.
No momento, a Secretaria Municipal de Educação, que é a responsável pela biblioteca há cerca de um ano, está renovando todo o acervo, retirando os exemplares velhos e rasgados e substituindo por edições recentes dos mesmos títulos. Até a renovação terminar, não estão sendo aceitas novas doações.
A casa em que a biblioteca foi instalada também tem sua própria história. O projeto, construído pelo engenheiro Victor Villiot Martins (que deu o nome de “Casa Villiot” ao imóvel), foi o último do arquiteto Antônio Virzi no Rio de Janeiro. Virzi era conhecido pelos desenhos incomuns e foi o autor de outras construções marcantes na cidade, como a mansão dos Smith-Vasconcelos (que, antes de ser demolida na década de 1960, ficava na Avenida Atlântica, entre as ruas Santa Clara e Constante Ramos) e a casa Vilino Silveira, ainda existente na Glória.
Sua arquitetura diferenciada, que contrastava com as outras construções da época, rendeu-lhe o apelido de “casa sem janelas”, já que não há nenhuma voltada para a rua. Em sua inauguração, o então presidente Washington Luís foi conhecê-la. Sua parte interna também é exótica. Os vitrais de sua fachada formam um teto com diversas camadas, o que facilitava a entrada do ar e refrescava o ambiente. Hoje em dia, os prédios impedem essa refrigeração natural. Quando as temperaturas estão muito altas, são colocadas cadeiras no lado de fora para que os idosos não precisem enfrentar o calor em seu interior.
Ainda no andar de baixo, um corredor de serviço levava os empregados da cozinha à sala de jantar: eles não eram permitidos a circular pelos mesmos aposentos que seus patrões. Por isso, a entrada na casa também era separada, assim como a escada para o segundo andar. Nesse pavimento, todos os cômodos (decorados com painéis temáticos que variam de acordo com a ambiente) são ligados entre si. Dessa forma, os funcionários circulavam sem serem vistos. No “quarto amarelo” (a origem do nome é desconhecida dos funcionários do local), um detalhe peculiar mostra o quanto Copacabana mudou: uma pequena escada levava os moradores para outra porta, cuja saída era na atual Rua Saint Roman. A favela ainda não existia e há indícios de que ali havia um bosque, que era frequentado pelos moradores da casa.
Muitos dos frequentadores com mais idade da biblioteca comentam que, quando eram crianças, jogavam pedras na construção, com o intuito de atrair a atenção dos moradores e tentar ver seu interior. Certa vez, um senhor comentou que esteve em uma festa no local e lembrou de antigas prateleiras de pedra na sala de jantar, onde serviam as bebidas. Após afastarem as estantes, os funcionários da bibliotecas encontraram, ainda preservadas. No cômodo, ainda existem a mesa de jantar original e dois balcões.
Os outros móveis da casa (que há quem diga que também seriam projetados por Virzi) não resistiram ao tempo e ao abandono. Há relatos de que até a década de 1980, a casa era habitada por uma senhora, que seria esposta de Villiot. Ficou abandonada até 1996, quando a Prefeitura tombou o imóvel. Nesse período, foi invadida e teve inúmeros usos: foi abrigo de moradores de rua, bordel, terreiro, igreja, casa de cômodos e centro de venda de drogas.
Para se cadastrar na biblioteca e ter acesso ao acervo, é necessário cadastro gratuito, que pode ser feito no próprio local com RG, CPF e comprovante de residência.
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