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Mortes de Rodolpho e Henrique Bernardelli completaram 90 e 85 anos, respectivamente, em abril


Henrique e Rodolpho Bernardelli (Foto: Augusto Malta)
Henrique e Rodolpho (Foto: Augusto Malta)

Em abril, as mortes dos artistas plásticos Rodolpho e Henrique Bernardelli completaram 90 e 85 anos, respectivamente. Os irmãos, reconhecidos como alguns dos principais expoentes da escultura e da pintura do Brasil, representaram a primeira geração de “copacabanenses” ilustres da história do bairro. O ateliê da dupla, erguido quando a maior parte dos terrenos vizinhos era um areal vazio, foi um marco do começo do século XX, tornando-se pioneiro no que diz respeito ao sentimento preservacionista da população.


O primogênito, Rodolpho, nasceu no México e ainda nos primeiros anos da infância, sobreviveu a um naufrágio após deixar seu país-natal. Quando este tinha cinco anos, Henrique veio ao mundo, no Chile. De lá, a família se mudou para a Argentina, seguindo, em lombo de mula, até o Rio Grande do Sul, estado onde permaneceu por pouco tempo antes de continuar a viagem rumo à capital federal, a convite do imperador D. Pedro II: os pais (ele, violinista; ela, bailarina) viriam a ser preceptores das princesas Isabel e Leopoldina


Na adolescência, ambos se interessaram pelas artes plásticas. Rodolpho, estudante do Colégio São Bento, usava pernas de pau para elevar sua altura e, assim, assistir as aulas da Academia Imperial de Belas Artes, no Centro, por cima do muro. Juntos, os irmãos se matricularam em 1870, dando início às suas trajetórias: enquanto o mais velho dedicava-se principalmente à escultura, o caçula priorizava pinturas. Posteriormente, Rodolpho especializou-se em Roma, após breve passagem por Paris, e retornou ao Rio em 1885, onde permaneceu até o fim de sua vida. Nessa altura, Henrique estava na Itália e sua volta ao Brasil se deu apenas três anos depois, quando passou a se inscrever em diversas exposições internacionais.


Nessa altura, Rodolpho, lecionava na Academia Imperial de Belas Artes, mas renunciou ao cargo em solidariedade ao exílio forçado à Família Real após a Proclamação da República. Posteriormente, foi readmitido a pedido de Benjamin Constant, assumindo o cargo de diretor da então chamada Escola Nacional de Belas Artes. Foi o primeiro artista a assumir essa posição, exercida por leigos até aquele momento, o que permitiu uma revolução no programa de ensino, influenciando incontáveis outros nomes que se especializariam depois. Nesse momento, Henrique também foi contratado e em paralelo, os dois davam aulas em um ateliê próprio na Rua da Relação, no Centro. De lá, a dupla ainda montou um espaço na Avenida Central (atualmente, Rio Branco), mas após um passeio em Copacabana, este bairro foi escolhido pelos irmãos tanto para moradia quanto para trabalho.


Em um primeiro momento, os Bernardelli investiram em um terreno na Rua Gustavo Sampaio, no Leme, então muito valorizada por ser próxima do ponto final do bonde – a Avenida Atlântica sequer existia e banhos de mar recreativos ainda não eram hábito. Em 1907, por razões desconhecidas, o endereço foi trocado por um da família do compositor Gastão Lamounier, proprietária original do espaço na Rua Belfort Roxo, onde a icônica casa dos irmãos finalmente foi erguida.

Casa dos Bernardelli foi uma das primeiras da região
Casa dos Bernardelli foi uma das primeiras da região

Coube a Henrique desenhar a planta da casa, construída após projeto do arquiteto Raphael Rebecchi, o mesmo que vencera o concurso para desenhar a fachada dos prédios da Avenida Central e do qual Rodolpho integrou a comissão julgadora. O pintor também se aventurou nas esculturas, campo protagonizado pelo irmão, então um dos maiores representantes nacionais desta arte, e assinou os medalhões que adornavam a fachada. Apenas após a mudança que um detalhe foi percebido: Henrique não incluíra dormitórios nem refeitório na planta, levando à adaptação de dois pequenos aposentos para esses fins.

Tela de José Pinelo Llull, em 1910, mostra detalhes da casa dos Bernardelli, em Copacabana
Tela de José Pinelo Llull, em 1910, mostra detalhes da casa dos Bernardelli

Outras informações sobre a parte interna da casa são desconhecidos. Em raras fotos, todas em baixa resolução, nota-se que as paredes eram preenchidas com diversas telas. Reportagens comparavam o local a um museu de arte e não a toa foi visitado por uma multidão na celebração dos 73 anos de Rodolpho. Na data, as portas foram abertas e um enorme público foi ao local cumprimentar o aniversariante e conferir a decoração, o que transformou a data possivelmente na primeira exposição de arte de Copacabana. O bairro, naquela altura, inspirava diversos artistas plásticos, que cada vez mais o escolhiam como residência – apenas no Salão de Artes Plásticas do ano seguinte, 18 moradores concorreram, dentre eles, os irmãos e Eliseu Visconti, que vivia na Ladeira dos Tabajaras e frequentemente registrava a paisagem do local em pinturas diversas. Apesar do sucesso desse evento, os Bernardelli viveram, na Zona Sul, uma realidade bastante diferente da do passado, quando o antigo ateliê era um lugar movimentado por toda a sociedade.

Raras imagens do interior do imóvel existem, como essa de Henrique Bernardelli (na frente) com um grupo de alunas, em 1925 (Foto Jornal Beira-Mar)
Raras imagens do interior do imóvel existem, como essa de Henrique (na frente) com um grupo de alunas, em 1925 (Foto: Jornal Beira-Mar)
Henrique Bernardelli com alunas no interior do ateliê, em 1927 (Foto: Jornal Beira-Mar)
Henrique com alunas no interior do ateliê, em 1927 (Foto Jornal Beira-Mar)
Henrique Bernardelli, de branco, na frente, com os convidados de seu 72º aniversário, em 1929 (Foto Jornal Beira-Mar)
Henrique, de branco, na frente, com os convidados de seu 72º aniversário, em 1929 (Foto Jornal Beira-Mar)

Afastados da vida pública devido à distância entre o novo endereço e “a cidade’, recebiam a visita apenas de alunos e dos amigos mais fieis, ainda que permanecessem ativos comunitariamente: em 1930, por exemplo, ambos contribuíram para a realização da Feira de Amostras do Distrito Federal, doando os figurinos da peça encenada ao público infantil, cujo cenário foi assinado por Henrique.


Rodolpho morreu em 1931, aos 78 anos, idade avançada para a época. Antes, embarcou em um bonde, acompanhado por seu médico, e despediu-se de suas criações dispostas pela cidade. Após o ocorrido, um grupo de professores da Escola Nacional de Belas Artes solicitou ao interventor do Distrito Federal, Adolfo Bergamini, que a praça vizinha ao palacete, então conhecida como 26 de Janeiro, fosse batizada em homenagem ao artista, o que foi imediatamente cumprido. Posteriormente, a Praça Bernardelli teve seu nome alterado para Irmãos Bernardelli, imortalizando também Henrique, ainda que o apelido Praça do Lido se popularizasse rapidamente em decorrência do Bar e Restaurante Lido, que já funcionava ali.


Henrique também tentou preservar o legado de escultor. Primeiro, ofereceu o imóvel como prolongamento da instituição de ensino que fora dirigida pelo irmão; depois, tentou transformá-lo em um museu. Diante do insucesso, doou mais de 500 peças de Rodolpho e tentou vender a propriedade, mas morreu em 1936, antes que a negociação fosse concretizada, o que levou o local a ficar abandonado por anos. Apesar de a demolição ser dada como certa em decorrência da especulação imobiliária, pela primeira vez os moradores de Copacabana lutaram pela preservação da casa, apontada como uma “velha conhecida” de todos e considerada a construção mais tradicional do bairro. Até uma escola e um teatro chegaram a ser sugeridos para ocuparem o local, mas os esforços foram em vão: na década de 1940, o palacete foi derrubado para a construção do edifício Queen Elizabeth, que ocupou aquele terreno e o vizinho, que seria transformado em um cinema.


Os irmãos deixaram um enorme acervo. Rodolpho criou o lampadário instalado na Lapa (ainda existente no local), produziu os adornos do Theatro Municipal (além de ter participado da comissão que escolheu o projeto final dele), entre outros trabalhos, inclusive alguns que nunca saíram do papel, como o novo desenho do Chafariz da Carioca. Também assina muitas das esculturas funerárias no cemitério São João Batista. Foi autor de incontáveis estátuas, como General Osório, na Praça XV, primeiro monumento em homenagem à República; José de Alencar, na praça homônima, no Flamengo; Duque de Caxias, originalmente instalada no Largo do Machado, mas posteriormente transferida para o panteon deste, na Avenida Presidente Vargas; Pedro Álvares Cabral, no Largo da Glória; Carlos Gomes, na Rua Treze de Maio, no Centro, réplica da original, que enfeita o túmulo do músico; Teixeira de Freitas, atualmente na Rua Marechal Câmara; Cristiano Ottoni, o “pai das ferrovias no Brasil”, na frente da Central do Brasil; Visconde de Mauá, atualmente instalada na Praça da Candelária, dentre tantas outras peças.


Henrique também assinou diversas obras, como o retrato de Machado de Assis exposto na Academia Brasileira de Letras e alguns paineis no Theatro Municipal e na Biblioteca Nacional. Outro trabalho de grande reconhecimento são os 22 medalhões que enfeitam a fachada do Museu Nacional de Belas Artes, instituição que mantém, em seu acervo, mais de 120 pinturas do artista. Um número ainda mais expressivo (mais de 300 trabalhos) estão disponíveis para visitação na Pinacoteca de São Paulo.

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