Publicado na edição 340 (2ª quinzena de junho de 2012)
O surgimento das comunidades Pavão-Pavãozinho, Ladeira dos Tabajaras e Morro dos Cabritos está atrelado ao crescimento e urbanização do bairro de Copacabana, cuja paisagem é marcada pelas construções em estilo art-decô, que prima pela simplicidade e decoração moderna, sem abrir mão do requinte. Apesar de serem parte de um processo de estruturação social, todas estão deixando a marginalização e transformando-se em atores de um novo contexto na sociedade.
A formação de comunidades na cidade do Rio de Janeiro está ligada ao término do período escravocrata, no final do século XIX. Sem posses de terras e sem opções de trabalho no campo, muitos dos escravos libertos se deslocaram para o Rio, então capital Federal. O grande contingente de famílias em busca de moradia e emprego provocou a ocupação informal em locais desvalorizados, de difícil acesso e sem infra-estrutura urbana. Nas regiões nobres da cidade, como Copacabana, o processo de modernização fez com que as pequenas ruas e os casarões dessem lugar a longas avenidas e construções arrojadas. Dessa forma, muitas casas foram demolidas, o que reduziu a oferta de moradia, elevou o preço dos aluguéis e provocou o aumento da formação de favelas, para que atendesse a população mais carente.
Com um crescimento acelerado, as favelas, hoje denominadas de comunidades, foram se desenvolvendo em toda a zona sul. Em 1912, as comunidades do Pavão-Pavãozinho, Ladeira dos Tabajaras e Morro dos Cabritos já estavam instaladas. A primeira, faz ligação com o Cantagalo, em Ipanema, que tem uma das vistas mais privilegiadas do Rio, com a Lagoa Rodrigo de Freitas e o mar de Ipanema e Leblon. Ambas concentram uma população de 20 mil pessoas e estão protegidas, desde dezembro de 2009, pelo poder público, através das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Sua localização permite que os moradores tenham fácil acesso ao centro do Rio e a seus empregos, e seus jovens são geralmente mais informados, pois estão próximos dos pólos culturais da cidade.
No Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, a UPP, comandada pelo capitão Felipe Magalhães, tem possibilitado novos perspectivas aos moradores. Além de aumentar a sensação de segurança com um efetivo de 176 policiais, tem estimulado moradores a investir em novos comércios e tem fomentado as atividades culturais. Em termos de iniciativas sociais, o complexo tem atraído entidades que, interessadas em promover melhorias e projetos de educação para seus moradores, utilizam o “Brizolão”, prédio no alto do morro, para suas atividades. Além de ações do Governo do Estado e da UNESCO, há projetos de ONGs, como o Projeto Criança Esperança e o AfroReggae, com o programa “Dançando para Não Dançar”. Esportistas e artistas, como Ana Botafogo, João Moreira Salles e integrantes do Cirque du Soleil, respectivamente, também participam.
Inúmeras iniciativas têm ajudado a transformar a visão pejorativa que antes estigmatizava as comunidades. Uma delas é a de levar turistas estrangeiros a passar o réveillon nos morros, como ocorreu com o Cantagalo em 2007. A ideia deu tão certo que, na virada para 2010, vários turistas assistiram à famosa queima de fogos do alto das casas dos moradores. Outro projeto é o Museu da Favela que, também no Cantagalo, pretende desenvolver roteiros turísticos a céu aberto para ajudar a contar a história e valorizar a cultura do local. No Pavão-Pavãozinho, o Centro Integrado de Políticas Sociais Sebastião Theodoro Filho (CRAS), além de inserir os moradores em programas e projetos como Bolsa Família Carioca, ProJovem e Rio Experiente (para a terceira idade), tem ajudado a fomentar atividades entre jovens de outras localidades.
Outras comunidades que se destacam na paisagem de Copacabana são a Ladeira dos Tabajaras e o Morro dos Cabritos, com cerca de cinco mil moradores. Assim como o Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, sofreram com o tráfico de drogas por quase 30 anos, até a instalação de sua UPP, em janeiro de 2010. Com 120 policiais, a UPP é comandada pela capitã Rosana Alves, segunda mulher a frente de uma unidade. Apesar de suas populações terem crescido 37% em uma década e de existirem construções em áreas de risco, 100% das moradias possuem energia elétrica e quase todo o território tem água, rede de esgoto, coleta de lixo e iluminação nas ruas.
Como nas outras comunidades, os comerciantes da Ladeira dos Tabajaras também aproveitam a oportunidade e segurança da UPP para atrair turistas e movimentar o comércio. No último dia 2 de junho, por exemplo, o Núcleo de Turismo Comunitário do Tabajaras, o Tabatur, promoveu uma caminhada gastronômica, utilizando como isca os petiscos de seus mais de 20 bares e restaurantes. A caminhada, que começou do lado de Copacabana, terminou em Botafogo, com uma feira de artesanato local e um show do grupo de pagode “Puro Acaso”, formado por moradores. No blog do Tabatur, uma espécie de guia de turismo com informações sobre hospedagem, trilhas e a história da comunidade também foi lançado.
Durante muitos anos, as comunidade do Rio sofreram com o descaso do governo e do restante da população, que viam nelas as causas dos problemas sociais e não suas consequências. Atualmente, essa realidade aos poucos começa a mudar. Um exemplo disso é a atenção e o foco internacional em cima delas. As comunidades pacificadas do Pavão-Pavãozinho e do Chapéu-Mangueira (Leme), entre outras, vão estar no roteiro dos chefes de Estado e delegações estrangeiras que participam da “Rio + 20” (Conferência da Organização das Nações Unidas para a Sustentabilidade) como modelo para outras comunidades. Além de integrar a vida da cidade e concentrar 20% de sua população, as comunidade também constituem verdadeiros centros da cultura carioca. Muito do samba, do funk e do hip hop do Rio tem origem nessas comunidades.
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