Se viva, a cantora Dircinha Batista completaria 100 anos em abril. A menina prodígio, que aos oito anos já cantava profissionalmente, foi uma das maiores cantoras do Brasil, somando mais de 30 anos de carreira de sucesso, o que resultou em mais de 300 discos. Moradora de Copacabana, morreu em 1998 desgostosa com o meio artístico, que, naquela altura, começava a redescobrir sua carreira.
Nascida Dyrce Grandino de Oliveira em 7 de abril de 1922, era a caçula das três filhas do ventríloquo Batista Junior e Dona Neném, também conhecida no ramo cultural. Afinada desde muito cedo, a pequena moradora do Catete cantava em festivais desde os seis anos e aos oito, gravou duas composições do pai, sob o nome artístico de Dyrcinha de Oliveira – posteriormente, tornou-se Dyrcinha Baptista até assumir a grafia que a acompanhou até o fim da vida. Logo, passou a trabalhar no programa de Francisco Alves, que a apresentava como “Garganta de Pássaro”. Numa dessas ocasiões, precisou ser substituída pela irmã do meio, Linda, que também fez muito sucesso após essa oportunidade. Juntas, foram elevadas a patrimônio nacional pelo presidente Getúlio Vargas, o que as tornou campeãs de vendas. Não a toa, ambas foram as primeiras Rainhas do Rádio, título que marcaria posteriormente a trajetória de outros ícones da época, como Emilinha Borba, Marlene, Ângela Maria e Dalva de Oliveira.
Apesar do êxito na infância, o que consolidou Dircinha no cenário musical, e, posteriormente, resultou nos reconhecimentos acima, foi a marchinha “Periquitinho Verde”, sucesso do carnaval de 1938 e gravada no ano anterior quase que por acaso – ao participar de uma gravação de outra canção no ano anterior, foi convidada para botar voz nesta outra apenas para preencher o segundo lado do disco. A repercussão foi tão grande que, em 1939, venceu, com Orlando Silva, um concurso promovido pelo Jornal O Globo na Festa das Estações de Rádio, ocorrida durante a Exposição do Estado Novo, no qual os leitores escolheram os artistas favoritos da então capital federal – nessa época, Linda já era Rainha do Rádio. A primeira turnê internacional, com shows na Argentina, veio no ano seguinte, quando assinou um contrato milionário com a Rádio Ipanema.
A trajetória meteórica a levou também às telonas. Nessa altura, já havia participado de oito filmes, dentre eles “Alô Alô Carnaval”, um dos grandes sucessos da chanchada. A carreira como atriz continuou em mais 21 longas e duas peças de teatro. Em paralelo, manteve-se em alta como cantora até o advento da televisão, que deu início à decadência artística tanto de Dircinha quanto de Linda – dentre as teorias, dizia-se que ambas, envelhecidas e acima do peso, estavam fora do padrão esperado para esse meio de comunicação, mas questões pessoais de Linda, como o excesso de bebida e o vício em jogo, podem ter ajudado a tirar as irmãs de cena. As únicas certezas eram que, naquele momento, o Brasil era outro após o suicídio de Vargas e o surgimento da bossa nova.
A falta de reconhecimento levou Dircinha a viver reclusa em seu apartamento na Rua Barata Ribeiro, em Copacabana, com as duas irmãs (havia ainda Odete, a mais velha do trio). Deprimida, viu sua saúde mental deteriorar-se após a morte da mãe, já que era solteira e não possuía outros parentes vivos além de Linda e Odete, que também desenvolveram problemas psiquiátricos. Por este motivo, abandonou a carreira e tudo que remetesse ao meio. As artistas voltaram a ser lembradas mais de duas décadas depois, quando o musical “Somos Irmãs”, estrelado por Nicette Bruno e Suely Franco e dirigido por Cininha de Paula e Ney Matogrosso, passou a ser encenado em 1998 e fez o público redescobrir as duas, então tão apagadas que os maiores sucessos de ambas haviam sido relançados, até esse momento, em uma única coletânea em CD, “Acervo Especial”, de 1994 – todas as outras produções ainda eram em disco.
O espetáculo mostrou tanto o apogeu quando o esquecimento das artistas. Nessa altura, Linda já estava morta e Dircinha, internada com Odete em uma clínica em Botafogo. Devido ao seu estado de saúde e ao fato de não querer ser vista em público (Dircinha alegava que se a mídia não quis mostrá-la quando ela precisava da visibilidade, não seria nessa altura da vida, debilitada e cadeira de rodas, que iria aparecer), não chegou a assistir nenhuma apresentação e morreu no ano seguinte, vítima de uma parada cardíaca e sem imaginar que novamente seriam homenageadas em 2009, no documentário “Cantoras do Rádio”.
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