Publicado na edição 344 (2ª quinzena de agosto de 2012)
Aos 86 anos, a artista plástica Ione Almeida mostra que a idade não é um obstáculo para novos desafios. Após transitar por diversos estilos, a pintora e escultora inaugura uma nova fase, com obras impressionistas produzidas através de técnicas aprendidas durante sua carreira.
Seu talento manifestou-se desde cedo. Ione lembra que, desde pequena, interessava-se pelas artes. No entanto, o que lhe entusiasmou foi a paixão de seu marido, Hélio de Almeida, que era presidente do Clube da Engenharia e ministro de aviação do governo de João Goulart. Somente em 1963 iniciou a prática profissionalmente, ao matricular-se em um curso de desenho no Museu de Arte Moderna, com Aluísio Carvão. Mais tarde, aprendeu também com outros mestres, como Ernesto Lacerda, Carlos Cavalcanti e Carlomagno.
Apenas em 1985 que começou a esculpir, como forma de terapia. A artista gosta de representar o corpo humano. Suas produções não possuem rostos; o foco é mostrar os movimentos e a inquietação do homem, do amor ao sexo. A libertação das mulheres é exposta através de elos quebrados, que mostram o rompimento com a sociedade e seus valores impostos. A figura das mãos também é muito explorada. “A mão bate, dá, recebe, acaricia...”, justifica.
Para ela, a situação dessa arte no Brasil é alarmante devido às dificuldades encontradas na produção, o que atrapalha seu desenvolvimento. “Está muito caro. A fundição cobra pelo bronze e pelas horas usadas. O trabalho é muito artesanal”, justifica. De acordo com ela, a alternativa é produzir as peças usando resina, que além de ser tóxica, é muito trabalhosa para ser manuseada.
A quantidade de trabalhos produzidos é imensa, principalmente na pintura, onde mostra sua versatilidade através de diversos estilos. Ione diz não saber quantas telas já pintou. Só nas paredes de seu apartamento, em Copacabana, há cerca de 100 expostas, além das que estão guardadas ou foram vendidas ou presenteadas. Alguns temas aparecem em diversas obras, como a maçã (representando o amor e o pecado), os olhos (“mulher fala com os olhos”) e os bambus (simbolizando sua resistência, pois ele enverga e não quebra). Sempre usa tinta a óleo em seus trabalhos e, eventualmente, faz um misto de técnicas. Por causa de sua obra, ingressou na Academia Brasileira de Belas Artes em 1991, onde assumiu a cadeira 31, cujo patrono é Aleijadinho. Em seu currículo, possui mais de 80 participações em exposições coletivas no Brasil e no exterior, além das individuais. Recebeu, ao longo de sua carreira, 19 premiações.
Começou fazendo arte abstrata, pintando marinhas que remetem a sua infância, no Leblon. Em seguida, buscou o surreal. No neorrealismo, pintou principalmente mulheres orientais. Agora, inicia sua fase impressionista. A mudança recente foi por causa de um problema de visão, que poderia prejudicar ou até interromper sua carreira. No entanto, Ione fez da dificuldade um novo divisor de águas. “Aprendi na minha casa que sempre existe coisa pior. Sempre me lembro da pobreza. Aqui, ninguém pode deixar comida no prato, porque tem gente que não tem o que comer. Os pobres não têm roupa, casa, nada”, observa.
Em certo momento, revela que seu ponto de vista é inspirado no “Jogo do Contente”, jogado pela personagem Pollyanna, de Eleanor H. Porter, que após ganhar um par de muletas em vez de uma boneca, decide “ficar contente” por não precisar usá-las.
O artista plástico Carlomagno, que há 20 anos é seu professor, a define como uma pessoa muito organizada e séria, o que reflete em sua forma de produzir. “É uma alegria trabalhar com ela, um prazer! O ateliê fica em clima de festa quando ela chega, sempre tem alguma brincadeira”, destaca. Carinhoso, diz que a adotou como mãe e que Ione é uma pessoa sábia e correta, de quem gosta de receber conselhos e que sempre mostra os caminhos certos, que devem ser seguidos.
O projeto mais recente da artista é uma série de telas que serão presenteadas a cada um dos 23 funcionários do Clube Marimbás, frequentado por ela, que justifica o agrado citando o tratamento recebido por eles (“todos são carinhoso, educados e me ajudam”). Ione explica que, certa vez, deu um quadro de presente a um amigo, que o levou ao local e foi muito elogiado. Desde então, sempre dizia que um dia daria um para cada e, nesse ano, decidiu pintar todas as telas, diferentes entre si. Acreditava que o número de empregados não passasse de oito; no entanto, ao descobrir a quantidade, não desanimou e decidiu que iria produzir para todos, até os desconhecidos. A ideia original era entregar no Natal, mas como ficaram prontas antes, serão dadas no Dia dos Pais. Como uma criança, mal consegue esperar pelo tão aguardado dia.
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