A cantora Emilinha Borba teria completado 100 anos em 31 de agosto. A artista, cuja popularidade chegou a um patamar até hoje inalcançado por outros nomes brasileiros, dispensa apresentações e até o uso do sobrenome. Todos sabem que Emilinha foi apenas uma. Em meio ao enorme sucesso, a estrela cultivou, durante quatro décadas, amizade com outro ícone da música: João Roberto Kelly, que conversou com o Jornal Posto Seis para relembrar a grande parceira.
“Fico muito feliz com essa entrevista porque eu amava muito a Emilinha”, conta o músico. “Eu morava na Rua Aires Saldanha (em Copacabana) e ela era amiga a ponto de ligar e falar ‘tô por aqui, vim fazer um lanche. Se você não está fazendo nada, vem até aqui bater um papo comigo’. Éramos muito próximos. Senti muito a morte dela”, lamenta, continuando: “Quando a conheci, eu gostava dela e do marido, o Arturzinho de Souza Costa. Depois ela ficou viúva e a amizade ficou cada vez mais forte. A acompanhei por um grande período da vida dela e nesse meio tempo, ela gravou algumas músicas minhas, mas destaco ‘Mulata Iê Iê Iê’ e ‘Israel’ porque foram muito fortes, foram tocadas no Brasil todo. ‘Mulata Bossa Nova’ (o próprio Kelly refere-se à música pelos dois nomes) tem até gravações no exterior”
Foi exatamente essa canção que aproximou os dois. Kelly, que conhecia a estrela apenas por acompanhar seu trabalho, compôs o sucesso e ofereceu diretamente para ela gravar. “Eu estava trabalhando na TV Rio nos anos 60 e de vez em quando a Emilinha ia lá fazer algum programa. Um dia, num determinado domingo, ela ia no do Paulo Gracindo e marquei de nos encontrarmos no barzinho que tinha lá, no primeiro andar. Ela desceu com os fãs todos e eu estava com o Boni esperando ela, que chegou com aquela turma toda maravilhosa. Eu gostava muito dos fãs dela”, lembra. “Mostrei a composição e ela ficou encantada. O Boni cantou, todo mundo fez coro, virou um carnaval ali. Foi aí que a conheci mesmo. A música nos uniu muito e nos fez grandes amigos”.
O artista exalta, com saudade, uma particularidade desse sucesso: “foi gravado em 1964 para o carnaval de 1965, ano do 4º centenário da cidade”. Naquela ocasião, o calendário festivo era imenso e todas as festas eram muito grandiosas. “Nessa comemoração toda, a música venceu o concurso da Prefeitura, da Discoteca da Prefeitura e tudo mais”. Ao longo de sua carreira, Emilinha foi a campeã dez vezes. Com Kelly, foram duas vitórias: mais tarde, em 1973, houve uma segunda vez, com “Israel”.
“Ela vinha de um período de inatividade porque tinha ficado rouca. O público lembra disso. Ela parou de cantar um tempo e voltou com essa música. Vencemos o carnaval nos festivais da TV Tupi e da Secretaria de Turismo, no Canecão (VII Concurso de Músicas Para O Carnaval). Foi uma vitória maravilhosa! O público era muito fiel a ela”, recorda-se o artista, mencionando que essa fidelidade existe até os dias atuais: no dia 31 de agosto, o fã clube mandou rezar uma missa em memória da cantora. A vitória de “Israel” rendeu uma história inusitada: “O cônsul Naftali Gal ficou encantado. No dia da final, o consulado estava em peso no Canecão e fomos convidados para conhecer Israel. Não sou judeu, mas tenho admiração muito grande por aquele povo e isso não é de hoje, por isso fiz a música”. Apesar do convite, Kelly não pôde viajar devido a compromissos profissionais, mas Emilinha seguiu sozinha. “Ela foi e fez bonito lá. Me representou mais que bem”.
A parceria profissional rendeu outros grandes frutos, como diversos shows juntos. “Um foi inesquecível, na Sala Funarte, no Centro. Foi produzido pelo Ricardo Cravo Albin em minha homenagem, se chamava ‘Quero Kelly’. Tive a honra de ter como intérprete de todas as minhas músicas a Emilinha”. Questionado sobre possíveis registros dessas apresentações, mesmo que fotográficos (imagens da dupla são raridade e nem Kelly possui alguma em seu acervo), o músico afirma acreditar que podem existir vídeos. “A Funarte deve ter. Os espetáculos estavam sendo gravados”. “Quero Kelly” ficou quase um mês em cartaz em 1987. “A casa estava repleta, foi uma coisa maravilhosa. Éramos acompanhados de um conjunto jovem chamado Chama de Banda e pelo maestro Nelsinho, no trombone. Era um show redondo, bonito, gostoso... Foi um sucesso absoluto”.
Emilinha morreu em 2005, vítima de um infarto fulminante. Apesar dos quase 20 anos de ausência, Kelly continua conservando as boas memórias da amiga, para quem produziu uma música na ocasião do centenário. “Já gravei acompanhado de um piano”, menciona, dizendo planejar outro registro, dessa vez com uma orquestra. “Ela merece. Eu gostava muito dela. Fizemos uma amizade muito grande. Era amiga sincera, bacana, de bater papo, de conversar sobre a música ou a vida. Era uma parceria de vida. Tudo que eu puder retribuir a ela farei com muito carinho. Considero, guardadas as proporções, a Emilinha a maior cantora do Brasil. Isso é indiscutível. Foi, pelo menos, a de maior popularidade. Hoje, qualquer coisa que se faça tem divulgação muito grande, mas naquele tempo, era difícil. Não havia internet nem a divulgação maravilhosa de hoje. O trabalho dela ficou famoso apenas pela Rádio Nacional e depois, pela televisão”.
Confira a letra de "Eterna Rainha", música composta por Kelly para Emilinha:
Quando uma estrela completa 100 anos
Tem festa no céu, com certeza
E quando essa estrela se chama Emilinha
A festa é maior de tanta beleza
Quando uma estrela completa 100 anos
Os anjos vêm comemorar
Cantando a canção
Alegre e feliz
Que nós também vamos cantar
Parabéns, parabéns, parabéns, Emilinha
Parabéns, parabéns, parabéns, parabéns
Parabéns, parabéns, parabéns, eterna rainha
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