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Além das curtidas: busca por aprovação nas redes sociais atrai crianças para perigos ocultos


A busca por curtidas tem se tornado uma realidade entre o público infantil e infanto-juvenil. Pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) no fim de 2023 mostrou que 24% dos entrevistados, entre nove e 17 anos, iniciaram seu contato com a internet antes dos seis. Essa introdução precoce pode ser prejudicial em suas formações e a cada faixa etária, os perigos se intensificam.


O estudo apontou que 95% do público na faixa etária estudada utiliza internet no Brasil, sendo o celular a principal forma de conexão de 97% deles; e que 88% deles mantinham perfil em redes sociais, sendo que entre 15 e 17 anos, a proporção era de 99%. Os dados chamam a atenção principalmente pelo fato de as principais redes sociais limitarem, em seus termos de uso, a idade mínima dos usuários: tanto o Instagram quanto o TikTok afirmam que seus serviços se reservam a maiores de 13 anos, mas que os menores de 16 só podem manter uma conta mediante representação dos responsáveis. Apesar disso, é muito comum encontrar perfis destinados a crianças pequenas, muitas vezes transformadas em influenciadoras mirins sem que sequer tenham consciência das consequências daquela exposição não solicitada.


“Embora as redes sociais sejam proibidas para menores de 13 anos, o público abaixo dessa faixa etária burla facilmente as regras e cria perfis para a manutenção de relações nos ambientes digitais. Essa busca por likes e aprovação afeta e distorce a autoimagem dos jovens que ainda estão tentando se afirmar perante seus parceiros ao mesmo tempo que precisam lidar com suas inseguranças num momento em que as emoções são exacerbadas por conta da imaturidade neuronal”, aponta a coordenadora pedagógica geral do Colégio Sagrado Coração de Maria - Sacré-Coeur de Marie, Rosana Cattete.


A profissional mostra ser muito comum conversas sobre uso de celulares entre o público acima de 10 anos. “Principalmente quando acessam conteúdos inapropriados ou quando utilizam as redes sociais para tratarem de assuntos que poderiam facilmente ser resolvidos numa conversa presencial”, pontua. A exposição por parte dos responsáveis também é analisada: “O que se percebe é que alguns adultos são maus exemplos para as crianças porque além de terem a necessidade de mostrar tudo, o tempo todo, nas redes sociais, frequentemente expõem os próprios filhos ao estimulá-los a fazerem vídeos com pretensões a alcançarem o patamar de ‘digital influencer’”.


Mesmo quando a família tenta manter os pequenos longe desse universo, os responsáveis por eles apontam ser comum a pressão de terceiros para criar páginas para a criançada. É o que aponta Camilla Kern, mãe de Arthur, 9. “Já escutei muito que deveria fazer isso. Ele seria o pioneiro dessas crianças que ganham curtidas por falarem palavras difíceis e construírem frases elaboradas. Nada contra quem faz, mas não acho que isso tenha a ver com a gente, somos mais discretos e não gostamos de chamar atenção”. O menino é uma exceção em sua faixa etária: nunca pediu um perfil próprio e seus amigos também não têm, realidade parecida com a menina Alice, 7. A garotinha também não solicitou à mãe, Mariana Martins, um canal para se expôr, mas seus primos de idades próximas já possuem os seus. “Há muita gente mal intencionada na internet e é um risco muito grande que possam usar a imagem da criança para coisas ilícitas”, aponta Mariana.


Dentre os alunos da instituição de Copacabana, essa realidade também não atinge a maioria: “Temos poucos casos assim aqui na escola e os alunos lidam bem com a situação. Até onde chega ao nosso conhecimento, as páginas são gerenciadas pelos pais, que fazem um controle das postagens e dos conteúdos veiculados. Os alunos não demonstram nenhum incômodo e encaram com normalidade”, analisa Rosana, que reconhece que tal situação pode se tornar perigosa. “A formação da personalidade de uma criança que está passando pelo julgamento constante das pessoas que a assistem nas redes sociais fica extremamente prejudicada porque está sujeita às mais variadas críticas e comentários, muitas vezes perversos, que levam à perturbação de sua saúde emocional. A criança fica refém do que recebe como retorno de sua exposição e não consegue lidar com tudo que vem dali pois não tem maturidade para isso. Sem contar com a real possibilidade de ficar totalmente vulnerável e acessível ao contato com adultos mal-intencionados”.


Esse perigo já alarma Bianca Kopelle, mãe de Ava, que completa dois meses em abril. A menina mal chegou ao mundo, mas já é alvo de preocupação nesse sentido. “Receio que as imagens e informações caiam nas mãos das pessoas erradas e mal intencionadas e acabe a colocando em algum tipo de perigo. Uma vez que compartilhamos algo na internet, precisamos entender que sempre corremos o risco desse material ser exposto de forma indevida”, analisa, reconhecendo já ter publicado algumas poucas imagens do bebê para seus amigos do Instagram. “Hoje, posto algumas fotos dela nos stories do meu perfil, fechado, mas sem restrição de visualização. Talvez por morar longe e não ter a oportunidade de compartilhar pessoalmente muitos momentos da Ava com as pessoas mais importantes pra gente, eu possa criar um grupo de ‘melhores amigos’ no Instagram e passar a compartilhar mais do dia-a-dia pelos stories, mas também com cautela”.


No caso de adolescentes, os riscos são potencializados. Uma pesquisa conduzida em 2023 pelo Common Sense Media, em parceria com a Universidade de Michigan, dos EUA, mostrou que o público entre 11 e 17 anos dedica, em média, 1 hora e 52 minutos diários ao TikTok (dentre os pesquisados, houve quem passasse 16 horas de um dia consumindo aquele conteúdo), recebendo nesse tempo a média de 237 notificações. Em março de 2024, o Conselho Federal de Farmácia noticiou que uma pesquisa interna da plataforma mostrou que 40% dos usuários estariam substituindo ferramentas de busca, como o Google, pela plataforma, auxiliando na propagação de mentiras sobre doenças e medicamentos. Não à toa, alguns integram os chamados “desafios”, nos quais os usuários devem realizar tarefas que colocam suas vidas em jogo para obter visualizações e curtidas.


“Dentro da escola, percebemos que os adolescentes comentam e em alguns casos, é necessária a intervenção da coordenação para que os alunos entendam os riscos que correm ao participarem dos desafios. Todos os anos, a escola organiza para essa faixa etária um ciclo de palestras e rodas de conversa com várias temáticas atuais e uma delas tem como foco a promoção do uso consciente e responsável da internet, mas é imprescindível a atenção e parceria das famílias no controle dos seus filhos para que percebam como estão usando as ferramentas digitais”, menciona Rosana, que finaliza: “Não podemos esquecer que a Base Nacional Comum Curricular aponta a importância do letramento digital na formação integral do indivíduo. Por isso, aprender a utilizar as mídias digitais com ética e segurança na idade certa é um passo fundamental em um mundo imerso na tecnologia. Os estudantes precisam ser orientados para que se tornem capazes de navegar e pesquisar de forma segura e responsável".


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