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Infância em vilas resgata a simplicidade de brincadeiras de rua, passadas entre gerações

Publicado na edição 365 (1ª quinzena de julho de 2013)

Thayssa Rodrigues

Há três edições o Jornal Posto Seis começou um especial sobre as vilas de Copacabana, suas particularidades e encantos. Na edição passada, foi abordada a tradição encontrada em algumas delas e as festas comunitárias organizadas, nas ruas, por seus moradores. Agora, são histórias e lembranças vividas lá dentro que serão resgatadas. O dia a dia de uma infância entre as ruas do vilarejo, as brincadeiras das férias e a turma de amigos conquistados nesses lugares, ficam na memória de quem passou a vida inteira dentro desse ambiente. Crianças que cresceram e procuram, hoje em dia, transmitir aos seus filhos e netos o prazer da liberdade encontrada ali, dividem um pouco de suas histórias e contam alguns momentos que se renovam ao longo das gerações.


Na Rua Pompeu Loureiro, número 38, um portão de ferro posicionado entre dois grandes edifícios, indica haver ali um espaço preservado entre os arranha-céus do bairro. É nessa vila que vive, há 60 anos, Maria Ester Bauer, de 88. A moradora lembra com saudades da infância dos três filhos, que criou no local. “Para eles foi ótimo crescer na vila. Tinham uma turma de garotada e viviam brincando por essa rua. Eu podia ficar tranquila, pois sabia que estavam se divertindo em um lugar seguro”. Ela conta, ainda, que hoje os filhos estão todos crescidos, mas sempre que voltam para visitá-la recordam, com carinho, muitas histórias do lugar. Rogério, um deles, que acaba de chegar a casa da mãe, com a esposa, para alguns dias de descanso, afirma considerar o espaço como sendo palco de bons momentos. “Minha infância foi maravilhosa! Lembro que jogava futebol aqui mesmo, em frente a nossa casa, com uma turma de amigos que viviam juntos. Tinham umas 20 crianças aqui e nós passávamos o dia todo na rua brincando! Sempre que volto lembro das coisas boas com muita saudade”, relata, sendo interrompido, animadamente, pela mãe: “ele aprendeu a dirigir aqui! Andava com o carro para frente e para trás várias vezes seguidas!”, recorda Maria Ester.


A matriarca, aliás, gosta tanto do recanto, que mesmo após a mudança dos filhos, decidiu permanecer na casa, que segundo ela alia praticidade característica do bairro ao sossego oferecido pela vila. “Estou habituada com esse estilo de vida, gosto da tranquilidade que tenho aqui dentro e acho difícil encontrá-la fora daqui. Minha filha, por exemplo, mora em um condomínio da Barra da Tijuca e precisa de carro para tudo o que deseja fazer fora de casa, eu não me acostumaria a viver assim. Aqui tenho a segurança e a tranquilidade, mas saindo do portão posso fazer tudo o que queira a pé”, afirma Maria Ester. Além disso, ela comenta o encanto dos netos ao entrarem nesse ambiente: “Meus netos moram longe, por isso, nem sempre podem vir a minha casa, mas quando vem adoram o espaço que encontram aqui na vizinhança!”. A área livre, aliás, é o diferencial apontado por outro morador do mesmo vilarejo, o gerente de marketing, José Luiz: “O que falta na Zona Sul é, justamente, espaço e isso é o que nós preservamos aqui e o que mais encanta as crianças”.


Atravessando a rua, quase em frente, no número 31, há um outro conjunto de casas muito elogiado por seus proprietários, que se transforma em área de lazer para a criançada nas férias escolares. Mesmo nos tempos modernos, em que a tecnologia parece ser a principal atração para os mais jovens, a rua ainda é considerada um dos lugares preferidos por muitos deles na hora do lazer, conforme conta uma moradora do local que prefere não se identificar: “Os amigos dos meus filhos vem todos para cá brincar, não querem saber de outra coisa! Brincam na rua como se estivessem em uma cidade do interior, sem preocupações, tempo ou eletrônicos. Ninguém quer ficar dentro do apartamento tendo uma área como essa disponível para se divertir, por isso, acabam todos vindo para cá”. A proprietária conta, ainda, que além do público infantil, a vila agrada muito também a grupos da terceira idade, que costumam bater papo na porta de casa: “Você pode reparar que a maioria das casas tem banquinhos na entrada, justamente por isso. É um ambiente propício a convivência entre todas as idades”, explica. O zelador da vila, Joelson da Silva, que trabalha no lugar há 24 anos, destaca a simplicidade da infância dos que vivem ali: “vi muita criança crescer nessa rua, pessoas que hoje já são casadas e tem filhos. São todos muito educados e tranquilos, viviam brincando aqui fora uns com os outros numa boa. Acho que muito disso vem do lugar. A vila proporciona uma vida diferente, harmoniosa mesmo!”. Ele relata, ainda, nunca ter presenciado um assalto sequer por ali, durante todos os anos de trabalho.


Algumas quadras adiante, na Rua Cinco de Julho, 284, mais um amante das vilas recorda suas boas experiências. O autônomo Fernando Quintaes, que também passou a vida nesse ambiente relata suas aventuras de menino: “tive uma liberdade muito grande aqui, o que para a criança e o jovem é uma sensação incrível! Joguei muita bola nessa rua com os amigos daqui mesmo, sem falar na facilidade e autonomia que sentia ao entrar e sair de casa a hora que fosse desde pequeno, sem problemas. Meus filhos adoram vir a casa da minha mãe pelo mesmo motivo, acho que toda criança admira um espaço assim”. Moradora da mesma vila, a aposentada Maria Cristina, orgulha-se de ter criado o filho, hoje com 25 anos, nesse lugar que, segundo ela,é bucólico e tranquilo. “Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que aqui ele teve uma infância maravilhosa!” O que todos esses habitantes possuem em comum é a alegria de viver em um mundo apontado por eles como sendo um universo quase particular, que conserva, mesmo nos dias de hoje, valores tradicionais. Segundo eles, a oportunidade de se divertir com simplicidade, na porta de casa, como faziam pais e avós, ainda é possível e fascina a adultos e crianças. Pique e pega, pique esconde e futebol de rua tomam o lugar de videogames, celulares e televisão e deixam na memória momentos inesquecíveis, que se repetem ao longo das gerações.

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